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Violência de Gênero: Mulheres que ajudam outras mulheres


| Por Laís Isabele Almeida e Lais Marques Lira |


No ano de 2021 foi registrado pela Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL) 5.741 casos de violência doméstica dentro de todo o Estado. Naquele mesmo ano, segundo dados da Polícia Civil, Alagoas contou com 12 denúncias de violência contra mulher por dia. Informações divulgadas também em 2021 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o estado alagoano é o terceiro onde mais crescem casos de estupro no país.

Registros mais atuais do ano de 2022 mostram que só nos primeiros meses foram 17 casos de feminicídio, com aumento de mais de 23% se comparado ao ano anterior. Outros tipos de violência contra mulher tiveram aumentos alarmantes na comparação dos dois anos, como o caso de importunação sexual que foi de 77 casos para 168, assédio sexual, 29 casos para 50, perseguição a mulher, 3 para 140 e violência psicológica, 1 para 93 casos.


Os dados cada vez maiores relacionados à violência contra mulher - seja ela de qualquer tipo - mostram a necessidade urgente, tanto de políticas públicas mais eficazes, quanto do fortalecimento de entidades que trazem acolhimento e o suporte necessário para aquelas que sofreram e ainda sofrem com as consequências desses crimes.


Como prova desta urgência e da necessidade constante da solidificação e sustentação de projetos que protegem vítimas da sociedade e do machismo. Além de mostrar programas feitos por mulheres para outras mulheres, as quais lutam para permanecerem firmes e fortalecidos através da luta constante, expondo a falta de apoio seja do governo ou de outras entidades superiores. Por isso, apresentamos aqui duas instituições de proteção à mulher, a Casa Betânia e o CDDM, que fornecem aquilo que é preciso para resgatar a dignidade de cada uma que passa por lá.


Centro de Defesa dos Direitos das Mulheres


O CDDM/AL (Centro de Defesa dos Direitos das Mulheres de Alagoas) é uma Organização não Governamental que oferece suporte psicológico, jurídico e assistência social de forma gratuita a mulheres vítimas de violência. O centro fornece inúmeras atividades sendo alguns deles o acolhimento às vítimas, assistência sociojurídica, terapia comunitária integrativa e orientação sobre os direitos da mulher.


Em entrevista com Paula Lopes, Advogada Especialista em Direitos Humanos e em Proteção à Mulheres Vítimas de Violência e também Coordenadora Geral Executiva da ONG, foi nos falado sobre a origem, o trabalho feito dentro do Centro, a importância de se ter instituições que façam acolhimento dessas vítimas, e sobre o machismo, o maior responsável por essas violências.


Criado em 2016, através de um projeto feito pelo Escritório da Mulher (o primeiro Escritório Jurídico com recorte de gênero no estado), onde as integrantes do Escritório sentiram a urgência de montar uma ONG onde pudessem amparar mulheres vítimas de violência de forma gratuita. No entanto, sem verbas, o projeto só se concretizou em 2018, quando formalizaram a instituição, e desde então se mantém firme, mesmo aos tropeços devido aos poucos recursos, porém, buscando preservar os objetivos do espaço, que segundo a coordenadora, “é acolher, atender e acompanhar mulheres vítimas de violência em Alagoas para que saiam da condição de vítima e se tornem protagonista da própria vida”.


As vítimas que chegam até elas de diversas maneiras – desde a internet, através de conhecidos, até Juizados, Cras, Creas, RAVS – se deparam com uma instituição formada de mulheres para mulheres que prezam pelo acolhimento e acompanhamento de cada uma e com projetos que “visam auxiliar e despertar as mulheres da capital e do interior ao entendimento de que é preciso desconstruir para construir uma sociedade sem machismo, trabalhando com mulheres e com meninas”. Segundo a advogada, é através de atendimento, rodas de conversas, oficinas e mobilização, que essas mulheres são empoderadas e ressocializadas.


Com inúmeras atividades externas dentro e fora da capital alagoana (no interior com o projeto Mulheres em Rede), um de seus eventos ocorreu no campus A.C Simões da Ufal no dia 23 de novembro, na Feirinha da Semana Jurídica, quando foi lançada a cartilha do CDDM, com a participação de muitas profissionais da ONG. Nesses eventos também existe uma participação muito expressiva das auxiliadas, que segundo Paula Lopes, ensinam e dão diversas lições de resiliência, sororidade e resistência, ao abordar pautas como a dor e o machismo vivenciados por elas.


Acerca dos casos crescentes de violência contra a mulher, Lopes acentuou a falta do trabalho em Rede e também de políticas públicas voltadas para a área. Para ela é importante ter mulheres trabalhando contra a violência de gênero: “Faz toda a diferença, pois não estamos falando da história de pessoas alheias, e sim da nossa própria história”, pontua, destacando sua felicidade de trabalhar neste ofício, especialmente quando consegue ver as pessoas florescendo, apesar do muito que ainda precisar ser feito e da necessidade de mais pessoas engajadas na luta.


Casa Betânia


A Casa Betânia é uma comunidade acolhedora, voltada para mulheres maiores de dezoito anos, para o tratamento em regime de residência, por um período de até seis meses, de forma voluntária (onde elas iniciam e/ou interrompem quando desejam), dependentes de SPA (substâncias psicoativas). No entanto, a instituição apresenta diversos casos de mulheres que sofrem de violência de gênero, ou por estarem mais vulneráveis, ou por suas histórias carregarem situações como essas.


Uma das profissionais da Casa, a monitora Maria do Céu Barros, explica como as mulheres chegam até a instituição: “Elas primeiro buscam o serviço por informações, divulgação do nosso trabalho. A maioria delas já conhecem a Casa Betânia, e elas buscam para, de certa forma, encontrar esse apoio. Um apoio onde elas vão ter o trabalho com um psicólogo, onde elas vão também trabalhar a saúde e ter alguém que possa ouvi-las, orientá-las, de certa forma cuidar.”.


A psicóloga Leilane Malta, que também trabalha na Casa Betânia, expõe como o abuso ocorrido na infância pode ser um grande agravante para a dependência química. Ela comenta: “Uma demanda muito grande é o abuso sexual na infância, na adolescência, que muitas das vezes são desencadeadores para que essas acolhidas busquem refugio no uso da substancia psicoativa. Então esses são outros agravantes do abuso sexual”.


Clarice Sandi Madruga, psicóloga que atua na área de epidemiologia e prevenção do uso de substâncias psicoativas, coordenou uma pesquisa com o intuito de ver a relação entre violência contra a mulher e o uso de substâncias psicoativas, e por meio dela esse vínculo foi comprovado. Cerca de metade das pessoas entrevistadas, que englobam usuárias de cocaína, relatam ter sofrido algum dos vários tipos de violência existentes ao decorrer de sua vida.


Em relação à violência de gênero ocorrida na maioridade, e relacionando ela ao excesso do uso de SPA, que é o foco da instituição, Do Céu, monitora, apresenta em sua narrativa a ligação entre a “facilidade” de se entrar em situações de violência por conta da fragilidade ocasionada, ela relata: “Eu acredito que elas ficam mais vulneráveis sim. A partir do momento que elas enveredam nesse caminho da dependência química, elas acabam ficando mais frágeis, então elas vão se expondo a diversas situações, encontrando, na maioria das vezes, pessoas que contribuem para isso, no caso os parceiros, os companheiros, os namorados que elas encontram, que são pessoas que tem o perfil também de situação mais violenta, ou viver, talvez, em situações vulneráveis que a droga oferece”.


Para a OMS violência pode ser definida como: "O uso intencional de força física ou poder, ameaçados ou reais, contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade”. Para JF [1], mulher acolhida da Casa Betânia que passou por situações de gênero e se sente empoderada, a definição é bem mais direta: “Pra mim violência é quando a gente é abusada, quando a gente é forçada a fazer algo que a gente não quer, isso pra mim é a violência.”


Outra acolhida da Casa Betânia, RG [2] destaca como se sente uma pessoa melhor e mais forte depois de ter passado por violência de gênero e o uso de drogas, ela discursa: “Agora eu me acho uma guerreira. Tô aqui determinada a não fazer o que eu fazia. Eu tenho que me amar primeiro, segundo, terceiro, décimo lugar. Eu tenho que me amar, meus filhos, minha família que me ama e tá me apoiando, e eu vou ter minha vida de volta, como era antes… eu vou vencer”.


A presença das mulheres profissionais da instituição é ressaltado muitas vezes no discurso das acolhidas, bem como no relato da JF: “O papel delas na minha vida é muito importante...quando eu cheguei aqui mal, elas foram muito importantes... elas estão ali pra me dar conselho, pra me abraçar na minha dor... quando eu tô mal, psicologicamente, elas vêm e conversam comigo... elas são muito importantes, são muito especiais na minha vida”.


[1] O nome não está disponível para proteção da acolhida entrevistada.

[2] O nome não está disponível para proteção da acolhida entrevistada.


Os tipos de violência


A definição generalizada e comum de violência está relacionada à agressão física, no entanto, existem diversos tipos de violências (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), que se manifestam de diferentes formas.


A física se manifesta por meio de agressões e golpes, muitas vezes provocando hematomas e ferimentos. A psicológica é mais sutil, mas tão ameaçadora quanto a anterior, e ocorre por meio de atos verbais, bem como humilhações, manipulações, chantagens emocionais e provocações, causando dano emocional. A sexual acontece por meio de uma imposição, seja ela um abuso, estupro, assédio ou ameaça. A patrimonial está relacionada ao patrimônio, e se refere tanto a sua perda quanto a sua destruição, assim como de bens pessoais e documentos, que se enquadram como o furto e o roubo. Por fim a violência moral relativa o modo de agir, podendo ser por uma discriminação, um preconceito, ou até mesmo uma calúnia.


A assistente social, Lilian Almeida, refere-se a quando as mulheres estão imersas em todas as expressões da violência, apontando que decorre de um fragmento da questão social, da vulnerabilidade econômica e da dificuldade de acessar as políticas públicas. Como todo ser humano é um ser biopsicossocial, essas mulheres apresentam o fator sequestro da subjetividade em comum, que representa o espaço próprio e a singularidade de cada pessoa.

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