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A importância da arte e dos eventos culturais para a População Negra


| Por Giovanna Dantas e Maria Eduarda da Costa |


“Ancestralidade” e “herança” são duas palavras usadas e designadas para explicar a cultura do povo negro, que desde os primórdios da história brasileira trouxeram uma bagagem cultural riquíssima oriunda de diversos países africanos como São Tomé e Príncipe, Guiné, Angola, República do Congo, Nigéria, Moçambique. Essa bagagem cultural tem uma importância social grande e é difundida até os dias atuais através das artes passadas dentro da comunidade para o seu próprio povo e também por meio dos eventos culturais, elaborados com o intuito de não deixar essa herança histórico-social morrer e fortalecer a identidade do povo preto.


Os eventos em visão das artes afrodescendentes ainda não são bem conhecidos e nem são tão divulgados, embora os negros façam parte da grande porcentagem de cultura que temos no Brasil. Ao falar em arte, temos o costume de lembrar de algo relacionado a arte erudita, como a obra da Monalisa, do pintor Leonardo Da Vinci, e acabamos esquecendo das artes culturais locais, que tem enorme valor ancestral e grande herança para a comunidade negra. Porém, aos poucos, esses eventos vão ganhando espaço através de causas sociais e de mais debates executados na sociedade.


Segundo Bruno Cesar Cavalcanti (60), professor de antropologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), os eventos artísticos são importantes para todos os tipos de comunidade e de grupos sociais. “As expressões artísticas fazem parte de uma dimensão da nossa vida, do entretenimento, do prazer, da fruição estética e da convivência coletiva. A importância dela fundamentalmente é de formação, de educação artística e cultural das pessoas, mas também da participação coletiva de integração das pessoas no grupo ao qual elas pertencem no sentido da arte. É um elo de ligação entre as pessoas.

É um fator, um elemento de interação, de inter-relacionamento”, informa o antropólogo.

Vamos Subir a Serra é um dos projetos existentes no Brasil que tem como objetivo enaltecer a riqueza e diversidade do povo afro. Ele acontece todos os anos desde 2016, no estado de Alagoas. “Nós sempre sentimos falta de um evento que mostrasse realmente a força do movimento negro em nosso estado, porque geralmente os eventos eram mais tímidos e de menor alcance”, explica Valdice Gomes, coordenadora geral do projeto.


Segundo ela, questionamentos sobre os problemas que atingem o povo preto surgiram e a pobreza foi uma das causas dessas adversidades, levando-a a olhar por uma perspectiva econômica, uma perspectiva da criação da geração de renda. “O que é que podemos fazer para gerar lucro? E então pensamos na feira de afro empreendedores, uma forma de estimular as pessoas negras que tem um potencial de empreendedorismo, para que elas tivessem essa oportunidade de crescimento financeiro”.


Algumas pessoas vivem da arte, como é o caso do artesão Antônio Lucas dos Santos (42), que tem como sua principal fonte de renda o artesanato. Para ele eventos desse tipo, com caráter de disseminar a cultura e ajudar a população negra, são muito bem-vindos. “A cultura preta vai sendo apresentada para nossa própria gente, que ao longo dos tempos, rotulada como coisa ruim por pessoas sem almas, muitos negam sua própria história”.


A arte como herança e identificação


A arte sempre foi de grande importância para os diversos povos existentes no mundo, e não seria diferente na vivência do povo afrodescendente, que conta com um legado cheio de simbologias e heranças familiares.


“O artesanato em minha vida vem de berço devido a nossa cultura familiar. Aprendi com meus primos e fui desenvolvendo vários manejos desde então. E a importância sobre tudo é se conectar com nossos ancestrais, servindo também como terapia ocupacional”, complementa novamente Antônio Lucas dos Santos.


Assim como Antônio, Ingrid Barros (31) conta que trabalha sendo trancista há 5 anos, mas vem trançando desde os 11 anos de idade. “É uma herança de família. Minha avó é trancista, a avó da minha vó era trancista também. Quando eu tranço uma pessoa eu passo essa herança para ela também, isso tem uma simbologia muito grande para mim”. Ela ainda ressalta que os poucos eventos culturais existentes ajudam, dando um impulso para o trabalho pessoal, pois as pessoas passam a conhecê-lo, “dando uma reenergizada e satisfação”.


Essa valorização da beleza afro por meio da arte também é importante para as crianças negras. Elas viveram a vida inteira sem se enxergarem na TV, tendo como exemplo padrões de outras culturas não afro, como Xuxa e Angélica. “Essas referências só as afastaram da própria cultura, acarretando na mudança das suas fisionomias e no alisamento dos cabelos. Tudo porque não se sentiam representadas. Mas agora os espaços da reafirmação da beleza negra estão ganhando visibilidade e mais pessoas estão se sentindo orgulhosas e tendo esse pertencimento para com sua etnia e sua cor. Através desses lugares e desses profissionais ocupando os vários espaços da sociedade, não apenas em eventos, mas também fora deles”, expõe Valdice Gomes.


Dança: conexão com o outro


A dança como toda forma de arte tem suas particularidades, mas ao contrário de assistir a um filme, em que o receptor permanece relativamente passivo ao que é transmitido, a dança permanece com o caráter ativo. “A dança nos convida, nos provoca ao movimento. A dança tem uma particularidade de instigar uma integração mais total das pessoas dentro de uma atividade grupal. Ela tem uma particularidade nesse sentido”, exemplifica o também pesquisador Bruno Cesar.


O antropólogo salienta que a dança na arte negra tem uma contribuição a oferecer: “faz parte de um processo de autoconhecimento, se envolver com as expressões artísticas negras para com a própria comunidade negra é um fator de empoderamento”. Ocorre uma valorização, uma melhoria na própria autoestima das pessoas, “porque elas se reconhecerão como parte integrante de si próprios”, afirma.


Para Pedro Henrique (20), estudante de dança da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que teve essa arte inserida na sua vida desde cedo através da capoeira, por influência do pai, a dança o faz lembrar que a cultura negra não pode morrer. “É uma representação imensa, porque está no meu sangue. Quando eu levo a minha dança para minha cidade, União dos Palmares, é um sentimento muito forte. Sempre tivemos a capoeira ali para o nosso convívio, para a nossa brincadeira e para puxar a molecada pra não perder a linhagem da cultura, para futuramente a gente ter na rua esses jovens passando nossa arte e mostrando o quão é forte para nunca ser esquecida”, relata o jovem.


A ascensão do povo negro


Por outro lado, Apesar de reconhecer a importância dos eventos culturais, há quem desconfie deles, como é o caso do Artesão Antônio Santos. “Na minha opinião há um jogo de interesses, por parte de quem organiza tais eventos, vejo muita apropriação cultural. Lucram com os movimentos, encabeça as pautas como se o preto não tivesse suas próprias. O evento é feito pelo preto, mas sei que no Brasil sempre vai ter um branco por trás, para assegurar que tudo aconteça de boas. Isso já virou cultural, desde o Brasil colonial.”


No entanto, Bruno Cesar Cavalcanti conta que esse pessimismo que se encontra nesse tipo de opinião é altamente justificável, mas não é eternizado. “Essa desconfiança é oriunda de todo um processo social histórico, de uma sociedade escravocrata, pois após o fim desse tipo de regime, essas populações foram muito mal inseridas na vida republicana. Essas populações começaram com a tremenda desvantagem de estarem na base da sociedade, com todas as dificuldades que isso acarreta, de terem menos oportunidades de educação e da pobreza se reproduzir. Então isso gerou “através de décadas” um sentimento de injustiça muito grande no qual é absolutamente aceitável essa desconfiança”.


Segundo o pesquisador, atualmente a insegurança que esses grupos tem em relação as atitudes que são dirigidas a eles, com as melhores das intenções por grupos brancos, causam essa sensação de injustiça por lembrar a eles constantemente que estão recebendo de brancos aquilo que elas teriam direitos como ser humano. Independentemente de serem pretas ou brancas.


Essas desconfianças ocorrerem, é normal, mas acreditasse que essa posição por trás dos projetos socioculturais e até em outras áreas da sociedade não é algo que vá permanecer assim para sempre, há várias políticas voltadas para reverter isso. O povo negro está ganhando sua ascensão cada vez mais, e os festejos culturais é um dos principais motivadores.


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