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Enchentes ao longo dos anos no interior de Alagoas

Atualizado: 31 de jul. de 2023



| Por Maria Eduarda Carvalho e Valéria Toledo |


Enchentes tem acontecido com certa frequência nas cidades do interior de Alagoas, como foi o caso de 2010, que atingiu em torno de 15 municípios alagoanos, deixando milhares de desabrigados em todo o estado e provocando 27 mortes. As cheias se transformaram em um problema histórico-social, por trazer diversos prejuízos econômicos e sociais para aqueles que são atingidos.


A reportagem contará da tragédia ocorrida em duas cidades alagoanas, no Litoral Sul a cidade de Marechal Deodoro, primeira Capital alagoana e por onde passa a Lagoa Manguaba. Já na Zona da Mata o município de União dos Palmares, que passa o Rio Mundaú, cidade polo dessa região e foi um dos municípios mais afetados pelas chuvas intensas ocorridas no estado, em junho de 2022.


Em Marechal Deodoro


Marechal Deodoro tem um histórico problema quando chove, obrigando seus moradores a deixarem suas casas atingidas pelo alto nível da água. Alane Lima, moradora do bairro Taperaguá, um dos atingidos na última cheia, relata: "A última vez que sofremos com esse tipo de problema foi em 2017, pelo que eu me lembre, e em 2022 tornou-se ainda mais catastrófico”.

Em alguns locais como por exemplo, a Rua os 18 do forte de Copacabana, situada na entrada da cidade, ficaram totalmente interditados, e os moradores foram obrigados a sair de casa. A travessia de quem precisava sair ou chegar de Marechal Deodoro foi feita de canoa, com ajuda de equipes da Prefeitura.


A vítima


A estudante Alane Lima conta que estava com sua mãe quando teve sua casa atingida pela enchente. "Nem sei como descrever em uma palavra. Em 2017 isso aconteceu, perdemos algumas coisas, depois disso tentamos nos recuperar, repor as coisas. Daí em 2022 aconteceu de novo. É frustrante, desanimador. Todo mundo sabe que a nossa vida e saúde são mais importantes, mas ver tudo o que você tem se perdendo assim é bem triste, não tem como não ficar abalada".


Uma das preocupações da família de Alane era salvar os móveis, tirar algumas coisas de casa e arrumar um lugar para ficar. "Não queríamos ir para casa dos meus familiares, visto que lá já é um lugar pequeno para as pessoas que lá residem". Com a ajuda da Prefeitura foi possível arrumar para onde ir, comprar novos móveis, contar com auxílio financeiro para passar por essa situação tão delicada. No entanto, tudo se repetiu depois.


A estudante afirma que quase não conseguiu se recuperar 100% de tudo que perdeu, especialmente dos móveis que, apesar de estarem em péssimo estado, não foram jogados no lixo porque não conseguiam substituí-los no momento. São uma constante lembrança da tragédia.


Ajuda da Assistência Social


A equipe de Assistência Social do município foi quem mais prestou serviço a toda população desabrigada. Christiane Souto, que é assistente social conta. "No primeiro momento foram suspensas as aulas para usarmos as escolas como forma de abrigo para as famílias com todo suporte necessário, como por exemplo, colchões, água mineral, agasalhos e refeições."


Devido aos prejuízos causados a toda população daquela região, foi necessário a criação de alguns programas sociais por meio da Prefeitura do Município, como o Programa Linha Branca que dava em média um valor de R$2500,00 para as famílias que perderam seus móveis, e o Auxílio Reforma um cartão com valor de R$2000,00 para aqueles que tiveram suas casas danificadas. Para aqueles que perderam sua casa sem possibilidades de reforma, foi ajudado com Aluguel Social, que dava um valor de R$400,00 para pagar o aluguel pelo tempo necessário para essas pessoas.


Apesar da recomendação da Defesa Civil para que deixem de habitar áreas de risco, as pessoas ainda se negam a sair de suas moradias devido a diversas circunstâncias como apego emocional. Equipes da defesa Civil, juntamente com agentes da Assistência Social foram na casa de muitas pessoas fazer o apelo para que saíssem de lá, oferecendo o cadastro no programa Aluguel Social, mas mesmo assim elas se recusavam. " A gente precisou recorrer ao Ministério Público para que fosse emitido um documento onde essas pessoas assinassem afirmando que seriam responsáveis por qualquer dano que viesse a acontecer", diz a assistente social.


Em União dos Palmares


No final de maio de 2022 o Governo do Estado por meio da Defesa Civil estadual decretou situação de emergência em diversas cidades alagoanas. No dia 2 de junho, por conta das fortes chuvas houve o transbordamento do Rio Mundaú na cidade de União dos Palmares. Contudo, felizmente as consequências físicas foram menores devido ao plano de contingência elaborado em janeiro do mesmo ano, quando já se esperava uma cheia, devido recorrência de em média doze anos.


De acordo com os níveis mencionados no plano de contingência, a enchente ocorrida nesse ano em União dos Palmares foi uma de nível três, considerada de grande proporção, por atingir outros bairros além dos que margeavam o Rio Mundaú. A COMDEC (Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil) realizou um serviço de monitoramento, que acompanhava o nível do Rio Mundaú a partir da leitura de réguas, instrumentos utilizados para medir os níveis dos rios. De acordo com o documento do plano de contingência, isso ajuda a alertar a população sobre o risco de transbordamento do rio, reduzindo o fator surpresa, danos e prejuízos e aperfeiçoando ações de resposta.


“Naquele momento só pensava em salvar as crianças e os idosos. É um desespero inexplicável, de você ter tudo e de repente não ter mais nada”, Desabafa a manicure Juliana Rocha, que mora próximo ao rio e teve sua casa atingida pela enchente por duas vezes.


Sempre que chove ela fica preocupada, pois a rua em que mora possui saneamento básico precário, e mesmo com pouca chuva a rua fica alagada. Dependendo do volume de água acontece o transbordamento do rio e atinge também as casas. A primeira coisa que ela fez foi tentar salvar coisas mais importantes, tirar as crianças e os idosos de dentro de casa e tirar o básico e necessário para passar a noite.


Apesar de no momento não saber para onde ir, foi acolhida na casa de parentes e também recebeu ajuda da prefeitura, como roupas, produtos de limpeza, higiene pessoal e alimentos. Como forma de prevenir transbordamentos Juliana e seus vizinhos procuram não jogar lixo nas ruas para que os bueiros não sejam entupidos e impossibilitados de descer as águas.


“Esses momentos deixam cicatrizes, é difícil a gente se curar totalmente. O básico de uma casa a gente vai conseguindo aos poucos, e com o passar dos dias a gente vai levando a vida. As marcas mais profundas, que são sentimentais e de alguns objetos perdidos que tinham muito valor sentimental, demoram mais a se recuperar”, conclui.


O plano de contingência


O plano de contingência é feito a partir da junção e mobilização de várias secretarias municipais, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Militar, Empresa que fornece água e esgoto, Alerta e Alarme. Esse plano busca socorrer e assistir populações atingidas, reabilitar e recuperar áreas deterioradas por desastres, bem como prevenir catástrofes, mapear áreas de risco e preparar-se para emergências e calamidades, através de simulados de evacuação e sistema de alerta, resposta aos desastres e reconstrução.


A atuação da Defesa Civil


A Defesa Civil busca garantir o direito à vida, saúde, segurança e propriedade, em circunstâncias de desastre e minimizando os danos a população. O Coordenador da Defesa Civil de União dos Palmares, Almir José, enfatizou a importância do Plano de Contingência, e também do Plano de Ação, em que mostra o que cada secretaria deve fazer. Segundo ele, a cheia de 2022 foi a maior de todas em relação a milímetros de água, de acordo com dados do pluviômetro localizado na Rua da Cachoeira.


A Defesa Civil, além de emitir os alertas à população, retirava as pessoas das casas, tentava salvar os móveis com caminhões baús e prestava serviço as vítimas. “ Foi um trabalho imenso. Temos uma equipe que tem esse olhar para quem precisa. Muita gente precisa de mim, meu trabalho é ajudar” conta Almir.


Infelizmente, apesar da recomendação de não habitar nas áreas ribeirinhas, ainda tem quem resista e se negue a sair, ou que volte a habitar aos poucos. Mas o Coordenador afirma: “A gente não pode deixar aquela pessoa desamparada. Se o município tira, ele tem que dar assistência”. Assistência essa que a Prefeitura disponibiliza por meio do Aluguel Social, que busca amparar os que tiveram suas casas afetadas pela cheia de 2022, dando por três meses uma ajuda financeira para o aluguel mensal e cestas básicas, semanalmente ou quinzenalmente, além de prestar ajuda as gestantes.


O que fez a Secretaria de Meio Ambiente


O Secretário Municipal do Meio Ambiente de União dos Palmares, Claudionor Oliveira, afirma que, apesar da recente cheia ter ocasionado menores consequências físicas, gerou maiores consequências ambientais para a cidade se comparada a de 2010, quando árvores que margeavam o rio ficaram de pé, pois o impacto das águas foi diretamente nas residências. Já na de 2022, como só tinham as árvores, elas receberam todo o peso da água.


Claudionor relembra a importância de conscientizar as pessoas a não jogarem resíduos no chão, pois quando esses resíduos chegam aos rios, se acumulam no fundo causando o enlarguecimento e diminuição da profundidade, o que interfere nos transbordamentos. Que quanto mais raso e largo o rio, maior é a incidência de transbordar.


Todo o sistema de água havia sido danificado, e não tinha água em nenhum bairro da cidade, mas a Prefeitura através da Secretaria de Meio Ambiente, havia escavado poços artesianos, e partir deles puderam dar assistência às pessoas com caminhões pipa. Tiveram diversos pontos na cidade ondes esses caminhões eram abastecidos e as pessoas também podiam pegar água com seus próprios baldes. Claudionor se emociona ao relembrar “Graças a Deus, com relação a água nós atendemos. É um trabalho que eu faço com muito carinho. Água é vida, e eu sei o sofrimento do povo naquele momento, um momento de você sentir também, não é apenas porque eu estou no bom, eu moro no alto, e alguém que foi atingido você não olhar para ele, tem que ter sentimento”.


Apesar das árvores terem sido atingidas acontecerá um reflorestamento, que já foi iniciado com a plantação de algumas mudas. “A natureza precisa ser compensada e o que a gente está podendo fazer a gente faz, o que a gente faz hoje aqui fica registrado, o que você fizer de bem para alguém fica registrado, a gente não vai esquecer”, conta Claudionor.


Ele explica ainda que União dos Palmares é uma cidade muito grande, e a maioria dos bairros foram criados a partir das cheias, como foi o caso dos conjuntos habitacionais criados após a enchente de 2010, o Newton Pereira é considerado um dos maiores bairros da cidade. Por meio de um cadastro na Caixa Econômica Federal, as pessoas afetadas poderiam receber essas moradias, que foram entregues dois anos depois das enchentes.


Igreja com as mãos na massa


Diante da precária situação provocada pelas enchentes, a Paróquia de Santa Maria Madalena em União dos Palmares se mobilizou para ajudar aqueles que haviam sido afetados, arrecadando materiais para a ajuda. Na entrega, além dos alimentos não perecíveis, também foram entregues comidas prontas, visto a dificuldade que seria cozinhar naquele momento.


O Padre George Lourenço, apesar de estar doente com o Covid, não ficou de braços cruzados perante à situação em que vários palmarinos se encontravam. Ele articulou campanhas pelas redes sociais e rádio. "A ideia surgiu dos próprios paroquianos, que reagiram a situação. No momento em que a cidade estava vivendo a calamidade, os paroquianos começaram a se organizar e pediram o meu apoio, então me coloquei a disposição. Junto com o frei Wanderson, conseguimos articular muita gente para que pudéssemos dar o apoio necessário, para que a paroquia pudesse dar assistência. A ideia surgiu do meio do povo", relata o padre.


Apesar do sentimento de impotência diante da tragédia, o padre destaca que a iniciativa dos fiéis permitiram fazer sua parte e, agora, agradecem a Deus por terem conseguido minimizar o sofrimento de muita gente. “Ajudamos pessoas independente de religião e também de outras paróquias. Foi uma ação sem fronteiras, geográficas nem de credo ou gênero, quem precisava recorria a gente, e a partir do que se tinha a gente ajudava”.


O estudante João Pedro de Oliveira foi voluntário da paróquia nas arrecadações e entregas. Segundo ele, eram divididos grupos, e cada grupo ia para uma parte afetada da cidade. “As águas foram muito fortes: levaram postes, parte das casas e utensílios que as pessoas tinham em casa, que as vezes lutaram tanto para ter e perderam”, diz o estudante.


De acordo com ele, a presença de voluntários nesse momento deixava as pessoas mais alegres e esperançosas. “Quando viam a gente indo ajudar, elas ficavam muito contentes. É uma boa sensação ajudar o próximo, mesmo que você não tenha sido afetado. Se doar para ajudar aqueles que perderam tudo ou quase tudo”.

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