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O país pós-eleições: um retrato da capital mais bolsonarista do nordeste

Atualizado: 3 de jan. de 2023

Por João Mendonça

Manifestantes acamparam em frente ao Quartel do Exército, situado numa das principais vias da capital alagoana.

O presidente eleito em 2018, Jair Messias Bolsonaro, desde sua posse, alega desconfiança para com o sistema eleitoral brasileiro. “Vamos mostrar 2014… Eleição de 2018, onde eu ganhei no primeiro turno. Eu falo isso não dá boca para fora, tenho como provar" afirmou o ex-deputado em frente ao Palácio da Alvorada. Talvez o "ápice mais vergonhoso a nível nacional'', como afirma o jornalista e colunista da Folha Reinaldo Azevedo, foi o "vexame para embaixadores financiado com dinheiro público" que ocorreu em julho de 2022, que rendeu ao então pré- candidato uma multa de R$ 20.000.


O processo eleitoral brasileiro é respeitado em diversos lugares do mundo. Graças a tecnologia única desenvolvida, as urnas usadas passam por diversos testes de segurança para colocar em voga sua autenticidade na hora de gravar e levar com confiança a informação, como traz o artigo do TSE. Sua auditoria é possível e todo o processo é acompanhado por órgãos sérios como o MP, representantes de todos os partidos e a OAB. Nunca houve provas de qualquer interferência no processo de votação brasileiro desde a implementação das urnas eletrônicas.


Depois da vitória do candidato petista, Luiz Inácio Lula da Silva, para presidência da República no dia 30 de outubro, diversas ações de teor golpistas, que tinham como principal campo o virtual, ganharam forma nas ruas. Graças a esse processo longo de inflamação com com a alimentação maciça de fake news, casado com a demora para admitir a derrota por parte do atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, seus apoiadores foram às ruas pedir intervenção militar, federal e espiritual.


Nessa suposta guerra do bem contra o mal, onde Jair Bolsonaro representa o lado do cristianismo, capitalismo, tradicionalismo e avanço patriotico, e Lula da Silva representa tudo que há de pior, seus fiéis seguidores, chamados de bolsonaristas, interromperam a passagem em rodovias, avenidas principais e causaram caos nas ruas.


Cleison Monteiro é de Atalaia, município da Zona da Mata, e se deslocou mais de 45 km em direção a Av. Fernandes Lima em busca de participar dos protestos em frente ao Quartel do 59º Batalhão de Infantaria Motorizado. "Estamos buscando garantir nossa liberdade e de nossos filhos e netos" afirmou o jovem de 27 anos que cursa engenharia de produção. Ele complementa: "A ditadura do judiciário ajudou a eleger o ex-presidiário [Lula] e agora, queremos — desejamos — ajuda das Forças Armadas com o artigo 142 para garantir o funcionamento do pais".


Os manifestantes estão há dias no canteiro da avenida (Fernandes Lima), onde fazem churrasco, nutrem-se de frutas, água e até instalaram banheiros químicos. Não é difícil concluir que tais manifestações, de teor golpista, possuem financiamentos privados e articuladores com interesses hediondos, como apontou MPF e até MPs de alguns estados como aqui em Alagoas, Maranhão e Mato Grosso do Sul, que chegou a pedir a Alexandre de Moraes, do STF, medidas mais duras para não haver agravamentos dos atos principalmente na capital mato-grossense.


Apesar da oficialização do resultado, o país ainda continua bem separado ideologicamente. A direita, antes ocupada com partidos mais ao centro, como PSDB e MDB, agora é representada pelo partido de Valdemar Costa Neto, o PL, que tem características mais extremistas. Lula ainda tem grande reprovação por parte da elite, mercado, líderes religiosos e empresários. Jair Bolsonaro é um dos maiores líderes políticos do Brasil e seu capital ideológico ainda é imenso, portanto é pragmático dizer que ele será um forte nome de oposição ao governo petista durante os próximos quatro anos.


Ciência do Golpismo


Bolsonaro sempre foi uma promessa para a economia brasileira que vinha em decadência, pelo menos em números (PIB), desde o começo do segundo mandato do governo Dilma. O parlamentar carioca, que vinha sempre comentando sobre o poder do nióbio, colocou em seu ministro Paulo Guedes, a responsabilidade de endossar um discurso político capaz de engatar sua candidatura. E com o nome do economista na mesa, muitos empresários compraram a ideia de ter um ex-militar novamente ocupando a cadeira da presidência.


Esse é o caso do empresário do ramo do turismo, Fábio Farias, que não só está presente nas manifestações na Av. Fernandes Lima, como também vêm atuando assiduamente nas redes sociais em prol das causas bolsonaristas. Sabe o que é o melhor [desses movimentos]? Pergunta que é o líder, pergunta qual o político que tá liderando… isso aqui é o povo. Ali é o quartel e aqui é o povo protestando há diversas horas", comentou. Em suas redes é possível ver detalhes do seu posicionamento: em um vídeo compartilhado, o empresário questiona a falta de cobertura da mídia na famosa live do argentino que supostamente teria provas das urnas fraudadas no Brasil. Mais tarde o TSE derrubou a live e condenou quem compartilhou a informação nas mais diversas plataformas.


Murillo Accioly veio com o seu tio, ambos também do município de Atalaia, que atualmente ocupa o cargo de vereador na Câmara Municipal Milton Agra de Albuquerque. Ao ser questionado sobre o objetivo da manifestação, o jovem de 22 anos e estudante de Direito respondeu: "Não vamos aceitar que o bandido [refere-se ao presidente eleito Lula] volte à cena do crime, então estamos lutando é pelo Brasil, não por candidato ou partido x ou y". "Aintervenção militar ou federal é a nossa saída contra as armações e malandragens impostas pelo Alexandre [de Moraes] e todo o Supremo [Tribunal Federal]".


"Na época, nos tempos, que meus avós e pais viveram no governo militar [Ditadura Militar] nunca poderia acontecer o que vem acontecendo no Brasil da esquerda" esbraveja o jovem, explicando a seguir a que se refere: "Esse país governado pela esquerda, com essa cultura pró aborto, gays e política de gênero levou a gente até aqui, isso é inadmissivel". O vereador ao ser questionado do teor golpista desse ato, preferiu não responder. Já seu sobrinho confirmou: "Estamos buscando o bem do Brasil, o bem do nosso país não importa o que deve ser feito para chegar ao resultado".



Águas de março, chuvas de novembro


Maceió é a capital nordestina conhecida pelas suas belas e ensolaradas paisagens, não à toa é um dos destinos mais procurados da alta temporada. Nessa época do ano, entre novembro e fevereiro, os turistas costumam aproveitar o sol radiante no mar da Praia da Sereia ou até no calçadão da Jatiúca. Contudo, esse ano vem sendo diferente: Especialistas já notificaram as fortes pancadas de chuva em épocas que eram raras de acontecer até então, por isso da alta temporada, afinal, a capital alagoana é sempre lembrada por seu clima tropical e aconchegante.


O cenário não é diferente na avenida mais movimentada de Maceió, onde um grupo de manifestantes estão amontoados Batalhão. E o que mais vem chamando atenção, além da insistência e do próprio discurso antidemocrático, é a presença de idosos e crianças. Aos poucos foram formando acampamentos, pequenos comércios de bandeiras e outros pontos de suprimentos, e isso é necessário para haver essa estadia longínqua, por assim dizer, e a diversidade de idade.


Dona Marta Medeiros, de 64 anos, é servidora pública aposentada do Estado de Alagoas e acompanha o marido (também aposentado) nas manifestações. Ela pontua que apesar das chuvas e do frio, "tudo vai valer a pena assim que o plano começar a entrar em ação". Questionada do que se tratava o plano, ela apenas sorri e afirma: "Em breve toda a imprensa saberá".


Jaqueline de Melo é mãe de duas crianças que prefere não identificá-las. Ao levá-las para as manifestações, a assistente administrativo afirma que pretende "realçar o patriotismo" em seus filhos. E explica: "Eles não estão perdendo aula nem nada, então como mãe, conservadora e cristã, me senti no direito … na verdade no dever de trazer eles nesse ato tão importante para o Brasil e o futuro".


Como dito, esses locais vêm recebendo investimentos de banheiros químicos, alimentos frescos e outros confortos que ajudam na estadia dessa comunidade política. Dona Marta Medeiros esclarece que "todos trouxeram uma coisa" para tornar aquela ação mais duradoura. Já Jaqueline disse que além deles trazerem, há muitas "doações anônimas" de "patriotas e apoiadores".


Apesar do clima e do tempo não favorecerem a estadia, os manifestantes, em sua maioria, pretendem manter os atos em busca de mais respostas. Isso só é possível graças a diversas situações, como a propagação massiva de informações falsas em aplicativos de mensagem, atrelado a lentidão do Ministério Público na investigação de supostos financiadores. Perguntada sobre as fake news, Marta afirma: "a única coisa que não devemos acreditar nunca, nunquinha mais, é na grande mídia".


Investigação: follow the money


Diferente de JHC (PSB-AL), o senador eleito Renan Filho (MDB-AL), junto de seu pai Renan Calheiros (MDB-AL), acumulou uma série de vitórias políticas em 2022. João Henrique Caldas não conseguiu eleger seu irmão como federal, nem Rodrigo Cunha (UB-AL) como governador, não colocou a mãe suplente no Senado e, bom, apesar da atuação atrasada, também não elegeu Jair Bolsonaro a presidente da República. Nessa rixa entre JHC e Renan´s, foi possível notar a aproximação do prefeito com a base aliada bolsonarista, porém pouco se envolveu em pautas e discursos ideológicos.


Isso vem se tornando praxe da direita alagoana, como traz a matéria do Portal de Alagoas, que comenta como o “deputado estadual Cabo Bebeto e o vereador Leonardo Dias, são apontados como os grandes articuladores dos atos ilegais e antidemocráticos” (...), mas apesar disso eles “não vão aos atos e não apoiam abertamente tais manifestações”.


O professor Adrualdo Catão, doutor pela Universidade Federal de Pernambuco, possui obras no setor da filosofia do direito,serviço público e pragmatismo, comenta como o cenário político local reflete a polarização no campo nacional. “Alagoas nunca esteve tão protagonista de uma eleição presidencial como agora em 2022. Isso devido a alguns fatores, dentre os principais, cita-se a presença de aliados de peso e os atritos por trás da eleição indireta de Paulo Dantas para o Palácio República dos Palmares".


Adrualdo ainda comenta sobre o ocorrido que judicializou as eleições indiretas de governador até o Supremo Tribunal Federal graças a ações lideradas por JHC e Arthur Lira (PP-AL). O clima baixou após a saída de Fernando Collor da corrida ao Palácio e sobrou a Cunha o papel de antagonizar com Dantas o que vinha acontecendo no eixo nacional. Paulo, que posou com Lula, ganhou apoio massivo, já Cunha, mesmo do lado de JHC e Lira, que são aliados bolsonaristas, decidiu se abster. Ficou sem candidato à presidência no segundo turno.


Arthur Lira, como presidente da Câmara de Deputados, tem poder o suficiente, dentro e fora do Estado, para apoiar as manifestações a favor de seu candidato. Contudo, ele foi um dos primeiros a parabenizar Lula ainda na noite de 30 de outubro, uma ação vista como pacificadora por especialistas. JHC, que entrou no jogo no segundo tempo, não vem se mostrando muito interessado com o futuro da direita em Alagoas, e isso tudo reflete bem para como os manifestantes enxergam os políticos locais que são apoiadores do então presidente Bolsonaro.


Beatriz Menezes é estudante de publicidade e participou das manifestações com sua família, seu pai "policial aposentado"e sua mãe, que é assistente social. Ela destaca: “o prefeito JHC, como também Cunha, são vistos como oportunistas pela maioria”. Quando questionada se há lideranças políticas por trás desse movimento, a resposta é enfática: “Não, não há, os únicos líderes vêm do próprio povo, se organizando”.


Maceió é a capital nordestina com maior votos no candidato à presidência do PL (Partido Liberal). Com 57,18 % das urnas e o total de 273,549 votos, Jair Bolsonaro se viu com mais de 70 mil votos à frente do então candidato do PT. Esse feito pela direita é inédito e muito se deve à figura de Lira, principalmente ao analisar os municípios que as prefeituras ganham verba e apoio direto do deputado, como Coruripe, Marechal, Satuba, e a própria Maceió. JHC não respondeu a essa reportagem sobre o avanço dos atos golpistas pela capital.


Com esse espectro político claro, o questionamento de quem está por trás desses movimentos coordenados e sofisticados começa a surgir. No dia 10 do mês de novembro, o G1 noticiou que o MPE de Manaus, por meio do procurador Filipe Lucena, abriu procedimento para investigar atos antidemocráticosem frente ao Comando Militar da Amazônia (CMA). No dia 17 do mesmo mês, o site Poder 360 noticiou a criticada decisão do Ministro do STF, Alexandre de Moraes, que tomou a criticada decisão de mandar bloquear contas de 43 empresários suspeitos de financiar atos golpistas em todo o país.


O MP-AL abordou, até agora, de forma discreta todas as ações movimentadas pelos bolsonaristas na capital alagoana. “Um grupo de trabalho foi criado para investigar as circunstâncias em que estão ocorrendo os bloqueios em estradas estaduais e em áreas urbanas [quando as estradas estavam obstruídas]", informou, em comunicado, a Assessoria de Imprensa do Órgão. Desde então, nenhum novo posicionamento foi divulgado e não houve resposta até o fechamento da edição a partir do contato que tentamos com a assessoria oficial.


George Sarmento é professor de direito constitucional na Faculdade de Direito de Alagoas (FDA) e promotor aposentado. Ao ser abordado sobre a possibilidade de haver reais financiadores por trás desses atos, George diz: “É bem possível que haja financiadores por trás destes atos antidemocráticos de teor golpista”, contudo só será concebível “avaliar” os planos e danos republicanos por trás "no momento que a Justiça assumir o papel de democracia ativistas, pouco conhecida ainda”.


Os atos antidemocráticos desenvolvidos pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro tem se estendido em todo o país. Em Maceió, houve um intenso agrupamento político que se relaciona com o contexto vibrante local. Isso pode ser analisado a partir dos espectros criados pelos chefes políticos, como os Calheiros e os Lira/HolandaCaldas. No desenrolar dos acontecimentos, principalmente até a posse de Lula em primeiro de janeiro, será possível observar o construto mais que político e se esbarrar na ala social, ligadas às pautas bolsonaristas.

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